segunda-feira, 11 de maio de 2009

Artigo Publicado na Revista Ciência & Vida - PSIQUE ed. 34

Despindo conceitos

Potencialmente dotadas de linguagem, as roupas podem evidenciar - ou ocultar - a personalidade, o caráter, o humor e muito mais de quem as veste

Por Anderson Fernandes

As roupas, além de servirem como adorno e forma de expressão, exercem forte influência em nossas atitudes e comportamento. Um salto alto, por exemplo, pode deixar as mulheres com um sentimento de poder e confiança. Para os homens, o terno com a gravata exerce, por vezes, como projetor da sensação de status. Outras situações também envolvem a indumentária e a psique humana, como a dificuldade que alguns indivíduos têm de se desprender de roupas velhas, pois elas envolvem sentimentos e lembranças prazerosas. Ou, então, quem nunca teve uma peça da sorte, que só a usa em ocasiões especiais?
As peças de roupa inferem em nosso humor. Quando acordamos mal-humorados, com baixa auto-estima, seja por problemas no emprego, ou pessoal, essa condição será refletida na escolha da roupa. Conscientemente, o indivíduo escolherá a "primeira que encontrar" no armário. Contudo, essa ação exprime a necessidade inconsciente que ele tem de dizer naquele dia de que algo não está bem, por se vestir daquela maneira. O mesmo acontece com o humor contrário. Quando ele está bem, com perspectivas, a tendência é pré-selecionar peças que condizem com seu estado; geralmente são roupas com cores alegres e vibrantes, e que agradam visualmente quem a está vestindo (entenda mais sobre as cores no quadro Cores e Sentidos).
Para alguns especialistas, tratando-se de auto-imagem, algumas pessoas sofreriam de um distúrbio caracterizado por anorexia mental. Nele, a roupa é freqüentemente potencializada como zona fronteiriça entre o corpo e o mundo exterior. Ou seja, a idéia fica em mostrar que o corpo continua igual, sem engordar e sem outras deteriorações. Comumente, as peças usadas são as mais ousadas, para evidenciar as curvas.

INSERÇÃO EM TRIBOS

Criar uma identidade social também pode fazer parte do uso da indumentária. Se olharmos para algumas tribos urbanas, como os punks, que se vestem de maneira atípica, mas com uma padronagem cíclica - geralmente dotado de um visual agressivo, possuem correntes penduradas pelas peças, calças jeans, tons de preto e vermelho nas camisetas e cabelos coloridos, com cortes descompassados, ou moicanos gigantescos -, podemos enxergar que, entre eles, existem pessoas que se vestem da mesma maneira, mas não seguem suas ideologias. Esse tipo de comportamento, segundo a psicanalista Suely Gevertz, pode estar associado à busca do individuo por uma identificação.
Sobre essa interação individual/tribal, para a psicóloga e consultora editorial Paula Mantovani, o fato de haver uma relação entre o que alguém veste e o que essa pessoa sente não implica que possamos decidir sobre um sistema de significados fixos para determinados estilos ou imagens usados pelas pessoas. O caráter simbólico do ato de vestir-se permite que algo seja mostrado, mas também escondido, dissimulado, alienado, questionado, subvertido, experimentado; é sempre num exercício de sentido singular. Cabe mais tomar essa via de expressão por meio de uma pergunta, por seu caráter enigmático, quando se pretende saber algo sobre um sujeito.

Cores e sentidos

Renata dos Santos Luz de Oliveira estuda a psicologia das cores desde 2004. Ela revela que é extremamente importante compreender que as cores são uma das ferramentas mais importantes e versáteis, sendo capazes de direcionar o olhar de um indivíduo, um observador, pois este processo deve-se ao fato de que o cérebro tende a captar áreas coloridas de uma maneira previsível, e em uma ordem logicamente definida.
O cérebro humano identifica áreas da mesma cor com importância semelhante. Em geral, o olhar é atraído para as cores chamativas e incomuns. A pessoa que faz o uso cuidadoso de uma cor se permite um maior conforto e sensação de bem-estar, ao contrário das cores sem harmonia, que podem deixar uma pessoa com ar de frustração ou até mesmo depressivo.
"Assim as cores afetam o ser humano por inteiro em suas experiências diárias, podendo representar alta distinção, nobreza, força vital, expressões significavas e grandes conseqüências", afirma Renata.
Sobre o significado das cores, Renata alega que, por toda a história, elas tiveram efeitos sobre a humanidade. Por tempos imemoráveis, foram símbolos de idéias abstratas - por exemplo, o verde em "verdes pastagens", do Salmo 23, sugere esperança e boa sorte; o vermelho indica paixão, perigo e vida (sangue). O branco no Ocidente é símbolo de inocência e pureza. No entanto, no extremo Oriente, simboliza tristeza e luto, exatamente o que seu oposto, o preto, significa no Ocidente. O amarelo é equivalente à covardia e traição, a não ser nos tons dourado e brilhante, que denotam força real e glória.
Na cultura ocidental, as cores podem ter alguns significados, alguns estudiosos afirmam que podem provocar lembranças e sensações às pessoas. Falando em sensações, Renata afirma que as pessoas são influenciadas pelas cores. "Mesmo inconscientemente, procuramos aproveitar seu benefício. Vejamos bem: numa ocasião de paixão e sedução, logo vem à mente a cor vermelha; para festas de passagem de ano, todos têm a idéia do branco; então devemos considerar a resposta emocional que essa cor nos provoca", explica.
Sendo essa resposta função do contexto cultural do usuário, o essencial é saber que estamos sujeitos à sua ação e que a preferência por determinada cor revela a sua sintonia ou até mesmo o caráter do indivíduo, seja pela sensibilidade a determinados estímulos luminosos ou pela representação psíquica que damos a elas.
As pessoas hoje estão bem atentas às cores, e, mesmo que a tendência da moda indique cores para determinadas estações, pode-se dizer claramente que, mesmo tendo uma peça dessas em seu closet, as pessoas usam por poucas vezes e sempre terá a sua cor de equilíbrio em qualquer objeto que carregue. Parte-se do princípio de que cada ser humano é único e possui características e modelos mentais diferentes. Renata salienta, porém, no que diz respeito à fisiologia das cores, que ainda não é possível mensurar com clareza os "custos fisiológicos" da definição visual relacionada às cores, embora estas sejam extremamente sugestivas quando bem utilizadas.

Tabela das cores e suas representações psíquicas:
Cinza: elegância, humildade, respeito, reverência, sutileza.
Vermelho: paixão, força, amor, velocidade, liderança, masculinidade, alegria (China), perigo, fogo, raiva, revolução.
Azul: harmonia, confidência, conservadorismo, austeridade, monotonia, dependência, tecnologia, liberdade.
Ciano: tranqüilidade, paz, sossego, limpeza, frescura.
Verde: natureza, primavera, fertilidade, juventude, desenvolvimento, riqueza, dinheiro (Estados Unidos), boa sorte, ciúmes, ganância, esperança.
Amarelo: concentração, otimismo, alegria, felicidade, idealismo, riqueza (ouro), fraqueza, dinheiro.
Magenta: luxúria, sofisticação, sensualidade, feminilidade, desejo.
Violeta: espiritualidade, criatividade, realeza, sabedoria, resplandecência, dor.
Alaranjado: energia, criatividade, equilíbrio, entusiasmo, ludismo.
Branco: pureza, inocência, reverência, paz, simplicidade, esterilidade, rendição.
Preto: poder, modernidade, sofisticação, formalidade, morte, medo, anonimato, raiva, mistério, azar.
Castanho: sólido, seguro, calmo, natureza, rústico, estabilidade, estagnação, peso, aspereza.


"O caráter simbólico do ato de vestir-se permite que algo seja mostrado, mas também escondido, dissimulado"


Artigo na integra: http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/34/artigo117277-1.asp